**Dra. Gracy Martins e Dra. Heloisa Souza
A ideia equivocada sobre o conceito de guarda em nosso ordenamento jurídico traz uma das primeiras resistências que precisamos transpor nos casos que chegam ao escritório. Por tanto, faz-se necessário desmistificar essas terminologias e esclarecer a verdadeira finalidade por trás de tais termos.
De um modo geral, as pessoas tendem a tratar como sinônimos guarda e convívio (antigo direito de visitas) dos filhos em comum. Nessa salada mista, com toda a profundidade que uma demanda familiar traz, que, aliás, transcende nossa competência enquanto operadores do direito, encontramos a primeira oportunidade para adequar o vocabulário. Após a ruptura de um relacionamento que gerou filhos, algumas obrigações permanecem - ou deveriam permanecer, de modo ativo, para ambos os pais. Assim, para os ex-casais que têm filhos em comum, há o dever de sustento, guarda e educação dos filhos.
A terminologia e finalidade da palavra guarda, no âmbito do direito das famílias, expressa a complexa rede de proteção necessária aos cuidados das crianças e adolescentes, conforme explica Conrado Paulino da Rosa em seu livro "Direito de Família contemporâneo".
Assim, a guarda surge como um direito-dever natural e originário dos pais, decorrente da função parental. Mas também poderá ser autônoma quando é transferida a um terceiro. Ao falar sobre guarda estamos nos referindo à responsabilização; exercício de direitos e deveres, relacionados à função parental, dos filhos em comum. É o que extraímos do § 1º do art. 1.583 do Código Civil. Apertando a tecla SAP, guarda designa o modo de gestão da vida dos filhos, institui a parcela de responsabilidade de cada genitor.
Estampada no Código Civil, especificamente no inciso II do artigo 1.634, a mencionada legislação informa que a guarda poderá ser exercida de forma unilateral ou compartilhada.
A guarda compartilhada como sendo a modalidade de guarda na qual ambos os genitores compartilham de forma conjunta as responsabilidades sobre as decisões importantes da vida dos filhos. Prevista no artigo 1.583, §1º, do Código Civil, essa forma de guarda busca assegurar o exercício equilibrado da função parental, onde prevalece o diálogo, e todas as decisões que garantam o melhor interesse do filho são tomadas em consenso. No que se refere à residência do filho em comum, esta poderá ser fixada com apenas um dos genitores, ainda que a guarda seja compartilhada.
No que tange a guarda Unilateral ocorre quando a responsabilidade sobre os filhos for atribuída exclusivamente a um dos genitores ou a terceiro, ficando este responsável pelas decisões cotidianas e principais da vida da criança ou adolescente. O estabelecimento dessa modalidade de guarda não exclui os direitos do outro genitor, sendo mantida a convivência e o poder de fiscalizar o cumprimento dos deveres inerentes à guarda, conforme dispõe o artigo 1.583, §5º, do Código Civil. Em regra, a guarda deve ser compartilhada podendo ser unilateral quando houver fundamentado motivo para isso, havendo desinteresse ou falta de condições de um dos genitores, ou quando existe uma situação de violência doméstica.
Compreendida a noção de que guarda, gestão e parcela de responsabilidade dos filhos andam juntos, fica mais fácil concluir que convívio se refere ao tempo em que cada genitor permanece na companhia do filho.
É certo que o regime de convívio será estabelecido em qualquer das modalidades de guarda - seja unilateral ou compartilhada. O Enunciado 605 da VII Jornada de Direito Civil aponta que “A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência”. Um plano parental bem-feito ou, não sendo possível acordo entre as partes, uma sentença com um olhar mais clínico para a pluralidade de arranjos familiares permitirá uma organização da rotina da criança, devendo - e esperamos que assim seja - os adultos se comportarem como tal, criando e cumprindo as expectativas desse adulto do futuro.
Importante se atentar que a Lei, ao abordar o convívio, traz a ideia de divisão equilibrada e não igualitária, o que é bem significativo - § 3º do art. 1.584, do Código Civil. O Convívio não será matematicamente estabelecido, a arquitetura dessa divisão mantém o olhar no melhor interesse da criança. E aqui nos deparamos com mais um dos grandes desafios do direito das famílias, tal qual o do começo desse texto, a subjetividade das relações familiares, que quase nunca será 100% contemplada em uma sentença judicial ou mesmo pelo ordenamento jurídico pois, assim como o direito em si, não é uma ciência exata e está em constante movimentação.
Pois bem. As ideias sobre guarda compartilhada a qualquer custo, ou os limites para estabelecer a guarda unilateral às vezes fogem da compreensão do que é realmente justo já que na prática jurídica a gente se depara, por vezes, com uma balança em desequilíbrio e um compartilhamento apenas no papel. Mas esse papo vamos deixar para outro dia.
Esperamos que ao finalizar essa leitura tenha ficado claro o significado desses institutos que tanto fazem parte do cotidiano de nós advogadas e advogados familiaristas.
Até a próxima.
**Dra. Gracy Martins e Dra. Heloisa Souza são advogadas OAB/RN, membros da comissão de Família e Sucessões da OAB Mossoró