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Dr. João Paulo Saraiva | 24/06/2024 INFANTICÍDIO: UMA BREVE ABORDAGEM

Por: Dr. João Paulo Saraiva**

 

O Código Criminal do Império, que entrou em vigor no dia 16 de dezembro de 1830, já contemplava o tipo penal do infanticídio esculpido em seus artigos 197 e 198, que, em bom e cristalino vernáculo, tinham a seguinte redação: “Infanticídio - Art. 197. Matar algum recém-nascido. Penas - de prisão por três a doze anos e de multa correspondente à metade do tempo. Art. 198. Se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar a sua desonra. Penas - de prisão com trabalho por um a três anos.”

Em 11 de outubro de 1890, foi publicado o Decreto 847, que em seu artigo 298 fez previsão ao infanticídio: “Art. 298. Matar recém-nascido, isto é, infante nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte. Pena - de prisão celular por seis a vinte e quatro anos. Parágrafo único. Se o crime for perpetrado pela mãe para ocultar a desonra própria: Pena - de prisão celular por três a nove anos.”

Por fim, chegamos ao Código Penal em vigor, que traz a figura do infanticídio no artigo 123:

Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho durante o parto ou logo após: Pena - detenção de dois a seis anos.

No infanticídio do código vigente, temos a figura da própria mãe, que é o centro do artigo supracitado. Sob a influência do estado puerperal, ela é capaz de tirar a vida de seu filho durante ou logo após o parto.

 

Puerpério e Estado Puerperal

Para compreendermos esta definição, precisamos abordar o conceito de puerperal. Segundo a melhor doutrina, o puerperal é definido como um estado de alteração emocional e psíquica que deixa a mãe em maior vulnerabilidade. Toda gestante entra no campo do puerperal, porém, infelizmente, algumas atingem o grau chamado estado puerperal, que pode levar a graves perturbações. Essas perturbações podem ser desencadeadas por dificuldades conjugais, recusa neurótica da maternidade, entre outras formas.

Ao enfrentar esse turbilhão de emoções e ver seu próprio corpo passar por mudanças, em alguns casos, a gestante é abandonada por seus entes queridos justamente por ter engravidado. A tendência da gestante logo após o parto não é amar o filho com todas as forças, infelizmente.

Entretanto, o estado puerperal pode transformar-se em causa para o infanticídio quando a gestante percebe que, por causa da gravidez, viu-se abandonada e, consciente ou inconscientemente, joga a responsabilidade ao filho recém-nascido. Isso pode levá-la a cometer o infanticídio para se livrar do “problema”.

 

Interpretação Legal

O artigo 123 do Código Penal traz em sua redação as expressões "durante o parto ou logo após":

Durante o parto: Pode ser entendido como o período que vai do rompimento da bolsa e, em casos de cesariana, com a incisão das camadas abdominais até a chegada do nascente ao meio exterior.

Logo após: Infelizmente, o legislador não fixou um período preciso, deixando este vácuo. Dessa forma, temos que interpretar que a expressão "logo após" tem um caráter de imediatidade para evitar abusos.

Outro ponto importante para o crime de infanticídio é a chamada prova de vida do nascente ou do neonato. Existem exames, como as docimasias respiratórias, que são produzidos para comprovar se houve vida no nascente, ou seja, aquele que ainda se encontrava no processo de expulsão do útero materno, bem como do neonato, isto é, aquele que acabara de nascer.

É de fundamental importância que fique averiguado se a perturbação psíquica influenciou a parturiente de modo a diminuir sua capacidade de entendimento ou autoinibição. Fora deste quadro, não temos como diferenciar o infanticídio do homicídio.

 

Crítica ao Tipo Penal

Para finalizar, transcrevo a crítica formulada por Alfred Farhat em relação ao tipo penal supracitado:

“Em resumo, a verdade é que o artigo é confuso, restringe a sua interpretação a motivos psicopatológicos de difícil ocorrência, criando embaraços reais para aplicação da lei, gerando obrigações periciais e fazendo-se um verdadeiro ninho de exceções se considerarmos o pensamento clínico unânime sobre as psicoses, distúrbios mentais ou loucura puerperal.”

 

**JOÃO PAULO SARAIVA - É advogado, conselheiro subseccional e sócio fundador do escritório Saraiva & Soares Advogados Associados.