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Advogado Lucas Eduardo Canário de Moura | 15/04/2024 Os Impactos da Tecnologia no Direito Imobiliário

Autor:  Lucas Eduardo Canário de Moura**

A habitação, ou espaço doméstico, é o lugar onde o ser-humano vive, sendo uma estrutura artificial, servindo para providenciar abrigo e assim como refúgio contra uma série de externalidades, servindo de marco no fim do nomadismo humano para um ambiente doméstico sedentário. O ser-humano passa, então, a se relacionar em comunidade e a constituir cidades, grandes conglomerados urbanos e de coletividade.

É de fundamental importância, assim, compreender a relação entre habitação e o Direito Imobiliário, pois se trata do ramo do Direito que regula as relações jurídicas relacionadas à propriedade e posse de bens imóveis, incluindo questões relacionadas à própria habitação, per si. Sendo assim, o direito à moradia foi alçado à Constituição Federal do Brasil, como direito humano fundamental, no reconhecimento de que a salubridade habitacional é condição inerente ao bem-estar humano e social, como tentativa de efetivação do direito e regulação sobre a locação, direitos e deveres dos locatários e inquilinos, políticas habitacionais, políticas sobre o uso das terras e regularização fundiária (1).

Prenuncia, então, o art. 6º da Carta Magna:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição (2).

Com o advento da contemporaneidade, o ambiente social volátil e tecnológico cada vez mais disruptivo, surgem, paulatinamente, novos desafios impostos pela inovação dos meios jurídicos, informáticos, comunicativos e das necessidades em sociedade, que, igualmente, são flexíveis. Dentre as mais diferentes adversidades com o advento das novas tecnologias, está a segurança dos dados em transações de imóveis, a validade dos contratos digitalmente assinados, fraudes imobiliárias em plataformas online, realidade virtual aumentada e representação fiel dos imóveis, proteção dos direitos autorais e de imagem, assim como o uso de drones em inspeções imobiliárias e outras tecnologias de cunho emergente.

A mudança, por vias da disrupção digital e informática, foi devidamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir do Ministro Humberto Martins, que entendeu que as transformações em que o mercado imobiliário vem passando, acentuaram-se nos últimos anos com a pandemia da COVID-19, trazendo reflexos no cumprimento das obrigações e compreendendo que o cenário se estenderia por anos à frente (3).

Continuou o Ministro de que a judicialização de conflitos no setor imobiliário costuma se prorrogar no tempo, com efeitos não apenas para os contratantes, como também para a economia em geral, a sociedade e os tribunais, podendo-se perceber pelo crescente nível de distratos, o que dificulta uma retomada econômica nacional mais consistente e dificultando a efetivação ao direito da moradia digna, colacionado na supralegalidade brasileira.

A Súmula nº 543, do próprio STJ, preceitua que:

Súmula nº 543 – Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador, integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa do desfazimento.

Por meio da Análise Econômica do Direito e o entendimento jurisprudencial da Corte Superior, chegou-se à compreensão de que o entendimento equivocado da Súmula nº 543, como vem acontecendo em algumas jurisdições estaduais, contribuiu para um desuniforme quadro de deterioração econômica do mercado imobiliário, acrescentou o Ministro Villas Bôas Cueva.

A recente Lei de Distratos (Lei nº 13.798/2018)4, resolve certas controvérsias conquanto as bases do direito intertemporal, reafirmado pelo deciso do Recurso Especial nº 1.723.519. Sendo assim, por meio da análise das consequências jurídicas no meio econômico, equalizando-se forças e compreensões jurisprudenciais, com a sequente adequação legal aos modernos instrumentos tecnológicos na facilitação dos negócios jurídicos, pode-se possibilitar maior segurança legal ao mercado imobiliário, consequentemente efetivando, cada vez mais, o direito fundamental à moradia previsto no art. 6º da CRFB/88 e melhorando o bem-estar da população.

O Direito Imobiliário, então, desempenha papel fundamental na sociedade, organizando as transações e relações à própria propriedade imobiliária. A compreensão do meio jurídico é parte crucial para melhor relação entre as partes, prezando negócios formais duradouros, revestidos da boa-fé objetiva, com uma legislação federal e estadual que privilegie a organização regional com as suas devidas peculiaridades mercadológicas, promovendo o desenvolvimento econômico, eficiência e habitação segura para a população nacional.

Sendo assim, a adequação e regulação das novas tecnologias dentro do ambiente imobiliário de negócios jurídicos, de maneira perscrutada, levando-se em consideração a natureza econômica dos negócios e a Análise Econômica do Direito, é crucial no melhoramento e facilitação das partes na aquisição ou venda dos imóveis, trazendo maior equanimidade entre as partes do negócio, presando-se pela desburocratização, agilidade, maior acessibilidade e eficácia da legislação civil.

 

**  Lucas Eduardo Canário de Moura é advogado e membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Mossoró.

 

REFERÊNCIAS:

1 SEGURADO, Aline; Direito Imobiliário: entenda o que é e áreas de atuação. Revista Vade Mecum Online, 05 de junho de 2023. Disponível em: http://surl.li/skbyb. Acesso em: 8 de abr. de 2024.

2. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 8 de abr. de 024.

3 SECRETÁRIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ministros do STJ analisam mercado imobiliário após súmula que regulamentou devolução de valores em contratos rescindidos. Notícias do Superior Tribunal de Justiça, Brasília/DF, 23 de junho de 2021. Disponível em: http://surl.li/skcck. Acesso em: 8 de abr. de 2024.

4 BRASIL. Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a alteração das Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, para disciplinar a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília/DF, 28 dez. 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13786.htm. Acesso em: 8 de abr. de 2024.