Gleice Carle Barbosa da Silva**
Ainda é muito comum o desconhecimento da população sobre o funcionamento de Organizações Não Governamentais (ONGs). O termo foi usado pela primeira vez em 1950 durante uma resolução do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU, de acordo com Ricardo Silveira. No Brasil, o termo é usado corriqueiramente pela população, imprensa e governo, mas não existe previsão legal dessa nomenclatura. A base jurídica mais sólida para as ONGs no Brasil é a Lei 9.790/1999, que se refere às organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPSs) e os arts. 44 ao 69 do Código Civil.
Formadas por pessoas profundamente engajadas a um assunto de extrema relevância, muitos ainda atribuem a essas instituições, erroneamente, a responsabilidade de resolver um problema social complexo. Sem fins lucrativos, essas entidades são parte do terceiro setor e devem ter registro em cartório e serem inscritas no CNPJ e é vedada a sua diretoria, a remuneração. Atuam em áreas onde o poder público é omisso com o objetivo de defender uma causa, sendo uma delas, a causa animal.
As instituições que lidam com causa animal, por exemplo, são umas das últimas a receber qualquer apoio, seja do setor privado ou do setor público. Com tantos problemas humanos de alta complexidade assolando a sociedade, é comum que as injustiças sociais sofridas pelos animais sejam sempre tratadas em último plano como se fossem menos importantes. Embora não seja esse o cenário ideal.
No entanto, pesquisa realizada pelo Instituto Pet Brasil, revela que o Brasil encerrou 2021 com 149,6 milhões de animais de estimação, o que demonstra que os animais estão cada dia mais presentes nas residências e sendo considerados membros da família. Esse número não engloba os animais das mesmas espécies que se encontram nas ruas reproduzindo descontroladamente. Sendo assim, não é difícil concluir que sem políticas públicas de controle populacional e garantia do bem-estar desses animais, bem como de convívio harmônico entre a população humana e animal, cedo ou tarde ambos sofreriam as consequências do descaso.
Importante mencionar, que quem carrega esse peso são as ONGs, tratadas pela população como local de despejo de animais indesejados, sendo incapazes de suportar a alta demanda de animais sofrendo nas ruas ou em posse de tutores irresponsáveis, unidos a exaustão física e emocional em decorrência do custo empático de lidar com o sofrimento alheio, as instituições sobrecarregam seus espaços, esgotam seus escassos recursos e adoecem psicologicamente seus voluntários.
Para desenvolver um trabalho ético, é muito importante que as instituições mantenham a qualidade do trabalho restringindo os resgates que realizam. Funcionando como lar temporário e centro de tratamento para animais de rua em situação de risco e que tenham iminente necessidade de resgate, pois o limitado espaço e os escassos recursos não são suficientes para suprir a grande demanda de animais errantes, já que essas instituições, normalmente, sobrevivem apenas de doação. Quem realmente cuida, sabe o quanto custa e sabe que não é possível resgatar indiscriminadamente e cuidar com a devida responsabilidade. Há ainda ONGs que atuam na busca pelos direitos dos animais e implementação de políticas públicas sem resgatar.
É necessário, urgentemente, uma expansão da consciência dos indivíduos que acompanhe as alterações na legislação que trata os animais como seres sencientes, capazes de sentir dor e emoção e não como objeto. Ao adquirir um animal, deve-se agir com responsabilidade sobre essa vida e é dever também do indivíduo a responsabilidade social para com os animais de rua, sob pena de cometer crime de maus-tratos, previsto pela Lei 9.605/98 com as devidas alterações trazidas pela Lei 14.064/20. Também é um dever, exercer a cidadania com responsabilidade, votando em representantes que entendam que problema sociais complexos não possuem soluções simples e estejam dispostos a enfrentar o problema de frente, conhecendo suas raízes, e dispostos a lutar pelas necessárias mudanças culturais. Logo, cabe ao poder público implementar políticas públicas de educação que despertem a consciência da população nesse sentido.
Por fim, entendemos que para que as ONGs possam exercer seu papel social sem se sobrecarregar, o poder público precisa tratar a causa animal com a seriedade e a importância a ela inerentes. Assumindo, assim, a responsabilidade de resolver essa problemática, além de passar a tratar as instituições como parceiras, já que realizam um trabalho que o Estado deveria fazer e não faz, valorizando o seu trabalho e considerando o seu fortalecimento.
**Gleice Carle Barbosa da Silva, Advogada e Membro da Comissão de Defesa dos Animais da OAB subseção de Mossoró/RN.